Dia desses, navegando no site Black Girl with Long Hair, encontrei uma matéria sobre o meme de internet que fizeram sobre o cabelo da atriz Tracee Ellis Ross. A figura mostra a foto de uma menininha aos prantos, com a frase “Aquele momento em que você percebe que não tem o cabelo da Tracee Ellis Ross”.
O cabelo da Tracee é inegavelmente bonito: ele é visivelmente saudável, não mostra danos e lhe dá a possibilidade de fazer inúmeros penteados e visuais diferentes. Além disso, ele parece ter cachos um pouco mais largos (apesar de a textura encarapinhada ser notada em parte dos fios), o que o coloca no rol dos cabelos “bonitos”, de acordo com o padrão estético do mundo em que vivemos.
Há quem acredite que certos tipos de cabelo precisam de química porque são naturalmente “ruins” e que as pessoas que não usam químicas podem optar por este caminho porque teriam a “sorte” de possuírem um cabelo razoavelmente “bom”. Obviamente, esse pensamento ainda está baseado na ideia que também define o padrão de beleza vigente: majoritariamente continuam sendo “bonitos”, “desejados” e “desejáveis” cabelos com cachos, de preferência mais largos, com textura do fio não áspera. Quanto mais próximo deste ideal, “melhor” seria o cabelo e “mais sorte” teria a pessoa por ter nascido com ele assim.
Há uma ideia errônea de que nossos cabelos devem ser ou estar perfeitos o tempo inteiro, sem nenhum esforço de nossa parte, e é nesse ponto que a fala da Tracee se encaixa:
Alguém disse que sou mestiça. Então meu pai é branco e minha mãe é negra e talvez esse seja o motivo de eu ter esse cabelo tão especial. Isso não é verdade, pessoal. Nós todos temos diferentes texturas, diferentes heranças étnicas, diferentes misturas, diferentes padrões de cacho e, falando por mim, eu passei por uma jornada para descobrir como esse cabelo funciona. Esse cabelo requer muito trabalho. É complicado. E as pessoas não te dizem como fazer. Essa nova onda do cabelo natural vem acontecendo, graças a Deus. Quem dera que alguém tivesse dividido comigo algumas dessas informações quando eu era mais jovem. Eu tive de descobrir sozinha. Alisei o cabelo, tive que deixar crescer de novo. Foi difícil. Meu cabelo não cresceu cortando. Cortei uma franja, isso foi uma besteira. Eu costumava sentar no salão de beleza o dia inteiro aos sábados quando era adolescente. Acordava minha mãe cedo pra quem ela esticasse meu cabelo. Dormia de bobes e ficava com o pescoço torto. Meu cabelo foi uma jornada.
Nunca é demais relembrar que padrões de beleza são construídos por nós, humanos, ao longo do tempo e da história. A frase “a beleza está nos olhos de quem vê” tem seu fundamento. Talvez ela não esteja nos olhos de quem vê, individualmente falando mas, de fato, está sim em um contexto social mais amplo, que foi sendo consolidado ao longo dos anos, décadas, séculos.
Fora isso, não existe cabelo bonito sem o mínimo de esforço. Nem mesmo os cachos mais largos e os fios mais sedosos podem ser do jeito que são se não forem adequadamente tratados, cuidados e preservados. Nossos fios crespos e carapinhas, então, precisam de super cuidados por serem mais ressecados, e de métodos diferenciados porque não "funcionam" da mesma forma que cabelos lisos ou simplesmente cacheados. Como ressaltou Tracee, o conhecimento sobre esses cuidados não cai do céu: ele precisa ser pesquisado, investigado, minerado - e por isso temos toda uma rede de meninas e meninos naturais na internet trocando informações sobre cabelos.
Não existem pessoas sortudas ou azaradas quando se trata de cabelos. Há sim, pessoas que ainda não conseguiram ampliar seu padrão de beleza, de forma a englobar a estética dos cabelos crespos e que por isso não conseguiram ampliar também a sua visão sobre as formas específicas de tratamento que o cabelo crespo requer.