terça-feira, 25 de março de 2014

Cabelo bonito é uma questão de sorte?


Dia desses, navegando no site Black Girl with Long Hair, encontrei uma matéria sobre o meme de internet que fizeram sobre o cabelo da atriz Tracee Ellis Ross. A figura mostra a foto de uma menininha aos prantos, com a frase “Aquele momento em que você percebe que não tem o cabelo da Tracee Ellis Ross”.

O cabelo da Tracee é inegavelmente bonito: ele é visivelmente saudável, não mostra danos e lhe dá a possibilidade de fazer inúmeros penteados e visuais diferentes. Além disso, ele parece ter cachos um pouco mais largos (apesar de a textura encarapinhada ser notada em parte dos fios), o que o coloca no rol dos cabelos “bonitos”, de acordo com o padrão estético do mundo em que vivemos.

Há quem acredite que certos tipos de cabelo precisam de química porque são naturalmente “ruins” e que as pessoas que não usam químicas podem optar por este caminho porque teriam a “sorte” de possuírem um cabelo razoavelmente “bom”. Obviamente, esse pensamento ainda está baseado na ideia que também define o padrão de beleza vigente: majoritariamente continuam sendo “bonitos”, “desejados” e “desejáveis” cabelos com cachos, de preferência mais largos, com textura do fio não áspera. Quanto mais próximo deste ideal, “melhor” seria o cabelo e “mais sorte” teria a pessoa por ter nascido com ele assim.

Há uma ideia errônea de que nossos cabelos devem ser ou estar perfeitos o tempo inteiro, sem nenhum esforço de nossa parte, e é nesse ponto que a fala da Tracee se encaixa:

Alguém disse que sou mestiça. Então meu pai é branco e minha mãe é negra e talvez esse seja o motivo de eu ter esse cabelo tão especial. Isso não é verdade, pessoal. Nós todos temos diferentes texturas, diferentes heranças étnicas, diferentes misturas, diferentes padrões de cacho e, falando por mim, eu passei por uma jornada para descobrir como esse cabelo funciona. Esse cabelo requer muito trabalho. É complicado. E as pessoas não te dizem como fazer. Essa nova onda do cabelo natural vem acontecendo, graças a Deus. Quem dera que alguém tivesse dividido comigo algumas dessas informações quando eu era mais jovem. Eu tive de descobrir sozinha. Alisei o cabelo, tive que deixar crescer de novo. Foi difícil. Meu cabelo não cresceu cortando. Cortei uma franja, isso foi uma besteira. Eu costumava sentar no salão de beleza o dia inteiro aos sábados quando era adolescente. Acordava minha mãe cedo pra quem ela esticasse meu cabelo. Dormia de bobes e ficava com o pescoço torto. Meu cabelo foi uma jornada.

Nunca é demais relembrar que padrões de beleza são construídos por nós, humanos, ao longo do tempo e da história. A frase “a beleza está nos olhos de quem vê” tem seu fundamento. Talvez ela não esteja nos olhos de quem vê, individualmente falando mas, de fato, está sim em um contexto social mais amplo, que foi sendo consolidado ao longo dos anos, décadas, séculos. 


Fora isso, não existe cabelo bonito sem o mínimo de esforço. Nem mesmo os cachos mais largos e os fios mais sedosos podem ser do jeito que são se não forem adequadamente tratados, cuidados e preservados. Nossos fios crespos e carapinhas, então, precisam de super cuidados por serem mais ressecados, e de métodos diferenciados porque não "funcionam" da mesma forma que cabelos lisos ou simplesmente cacheados. Como ressaltou Tracee, o conhecimento sobre esses cuidados não cai do céu: ele precisa ser pesquisado, investigado, minerado - e por isso temos toda uma rede de meninas e meninos naturais na internet trocando informações sobre cabelos.

Não existem pessoas sortudas ou azaradas quando se trata de cabelos. Há sim, pessoas que ainda não conseguiram ampliar seu padrão de beleza, de forma a englobar a estética dos cabelos crespos e que por isso não conseguiram ampliar também a sua visão sobre as formas específicas de tratamento que o cabelo crespo requer.

terça-feira, 18 de março de 2014

Assumir o cabelo natural é usá-lo sempre encolhido?


Uma questão que causa discussão entre as naturais é sobre fazer ou não texturizações que modifiquem o formato dos cachos e dos fios. Enquanto algumas são adeptas de tranças, twists, coquinhos (bantu knots) e até mesmo blow outs (uma espécie de escova que não traciona muito os fios), outras acreditam que, para realmente aceitar seu cabelo natural é necessário usá-lo em seu estado de encolhimento natural, em um wash and go, com volume, em um black power.

Existem alguns fatores que facilitam ou dificultam o uso do cabelo naturalmente encolhido – e um deles é o comprimento do fio. Na minha experiência com os cabelos, percebi que, quanto mais comprido meu cabelo ficava, mais difícil se tornava a hora de desembaraçá-lo após alguns dias do wash and go. Com mais embolação vinha também mais quebra, e de brinde vários nós (tanto nozinhos de fada quanto nós em mechas propriamente ditas) que acabavam tendo que ser cortados durante o ato de pentear.

Uma das estratégias para diminuir a quantidade de nós era usar o cabelo em um penteado protetor. Eles fizeram parte da minha rotina por meses a fio e tiveram grande responsabilidade por levar meu cabelo até o comprimento que está hoje. Mas confesso que, em determinado ponto, fiquei um pouco cansada do cabelo sempre preso. Ao mesmo tempo, não queria prejudicar meus fios nem perder centímetros preciosos nas pontinhas.

Um presente do meu último wash and go

A solução que encontrei foi lançar mão de twists e twist outs. Nos últimos meses eu venho experimentando bastante com os twists grossos e acabei incorporando-os de vez à minha rotina. Embora as pontas dos cabelos fiquem “soltas”, para baixo, os fios ficam presos em mechas e alinhados, diminuindo enormemente o embaraço. Logo, eu os entendo como uma forma de também proteger os fios e conseguir reter o comprimento que ganhei. Além disso, o twist out me permite mostrar um pouco o comprimento do meu cabelo e aproveitar os centímetros que conquistei ao longo dos anos.

Essa discussão sobre usar o cabelo encolhido ou texturizado me surpreende muito, já que as blogueiras e youtubers americanas que, em sua maioria, serviram como primeira referência nos cuidados com os cabelos, vivem em twist outs, braid outs, em texturizações com coquinhos, bigoudis, bobes e uma infinidade de outros estilos. Elas também entendem que determinadas texturizações são formas de preservar seus fios, evitando que embaracem demasiadamente e facilitando a preparação de penteados presos. Muitas dificilmente abrem mão de texturizações no dia-a-dia. E, a despeito disso, em nenhum momento elas deixaram de ser naturais nem de assumir e declarar que seus cabelos eram “kinky” (ou encarapinhados/carapinha). Ao contrário, compreendem o uso dessas técnicas como parte fundamental do tratamento adequado aos cabelos crespos e encarapinhados e recomendam que suas seguidoras também experimentem.


Conclusão
O cabelo crespo e encarapinhado é versátil, e isso todas nós sabemos. Ao longo da nossa jornada, vamos descobrindo e redescobrindo formas de cuidar dos nossos fios, de acordo com nossos objetivos futuros e com a fase em que nosso cabelo se encontra. Existem várias formas de finalizar e estilizar nosso cabelo que não envolvem químicas transformadoras, e elas podem – e devem – ser pesquisadas e testadas para que você atinja seus objetivos capilares. Nós largamos a química para libertarmos nossos cabelos, então sejamos livres para usá-los como quisermos, seja em um black de parar o trânsito, em um twist out impecável ou em um look mais básico.


* * * Leia também: "Estamos julgando?"

segunda-feira, 10 de março de 2014

Fazendo sua transição com tranças



Como já contei aqui no blog, as tranças soltas com aplique surgiram na minha vida como uma solução emergencial para um cabelo que não parecia ter mais salvação devido aos danos causados pelas químicas. Quando decidi colocá-las, nem passava pela minha cabeça me tornar natural: minha ideia inicial era ficar com o cabelo trançado por alguns meses até que ele pudesse crescer eu decidir o que fazer com ele.

Só que o visual e a praticidade das tranças me conquistaram de tal forma que eu não quis mais abandoná-las: fiquei quase 5 anos com este estilo, variando comprimentos, cores, espessuras, materiais... A versatilidade das tranças é realmente apaixonante! E foi tão apaixonante que acabei “me esquecendo” que tinha um cabelo “de verdade” ali dentro, preso. Por isso que, quando resolvi não mais usá-las, meus cabelos, agora 100% naturais, estavam em condições nada legais... Tive que cortar um bom pedaço dele s para conseguir ter um novo começo.

Hoje em dia, com a informação que temos disponível na internet e com os altos e baixos da minha própria experiência, eu percebo o quanto errei com meus cabelos e com as tranças neste período!... Descobri que tranças são sim aliadas no processo de transição quando corretamente feitas e mantidas. Vamos a algumas dicas:


Trate do seu cabelo antes, durante e depois – antes de colocar as tranças pela primeira vez, certifique-se de que seu cabelo recebeu a merecida dose de hidratação e de proteína (e isso vale principalmente pra quem já está com uma parte lisa e outra enrolada!). Enquanto estiver com as tranças, procure não fazer penteados que puxem muito o cabelo e também tente proteger a linha da testa na hora de dormir com uma faixa ou um lenço de tecido sintético. E depois de retirar as tranças, dê alguns dias de descanso para seus fios e couro e aproveite para refazer os tratamentos com máscaras e demais produtos.

Não faça tranças muito grossas ou muito apertadas – tranças muito grossas podem ficar muito pesadas e acabar arrancando seus fios pela raiz, causando, em casos mais graves, alopecia. Da mesma forma, tranças muito apertadas e rentes ao couro podem causar dor e desconforto. Converse com a sua trancista e sempre avise se você estiver sentindo algo de errado enquanto trança o cabelo ou após o processo feito. Dor não é normal!


Dilua seu xampu – diluir uma parte de xampu em uma parte de água, deixando-o bem líquido, facilita a distribuição e o enxágue do produto, evitando a formação daquela massinha rente ao laço da trança. Considerando que você não usará diariamente produtos que possam causar acúmulo, basicamente a única “sujeira” no seu couro cabeludo será a sua oleosidade natural, que é facilmente retirada com um xampu diluído. 

Não abra mão dos óleos vegetais – embora todas as trancistas pelas quais passei tenham me orientado a não aplicar nenhum produto além do xampu nas tranças, li diversos relatos na internet de meninas que mantém uma rotina de uso de óleos vegetais no couro e no comprimento do cabelo enquanto estão com os fios trançados. Não pude testar isso em mim mesma, então vale uma tentativa, caso você ache que seus fios estão precisando de algo além do xampu. 

Não fique mais do que 8 semanas com as mesmas tranças – esse é um fator crucial para a manutenção ou destruição do seu cabelo natural: quanto mais tempo você ficar com as mesmas tranças, maior será o acúmulo daquela massinha próximo à raiz, que é a grande responsável pela quebra massiva dos fios. Por isso, o ideal é refazer as tranças em intervalos de 6 a 8 semanas, pois assim não vai haver tempo de acumular muita sujeira e será bem mais fácil de desembaraçar.

Conclusão
Pense primeiro no seu cabelo, e depois nas tranças – a gente sabe que tranças não são baratas e nem são simples e rápidas, que trança com raiz meio frouxa não contribui para um visual impecável e que tranças grossas são “poder”. Mas pense que, antes do look trançado, sua intenção é fazer a transição e manter intacto o seu cabelo natural. Existem alguns pequenos “sacrifícios estéticos” que você precisará fazer em relação ao visual das tranças para poder manter seu cabelo verdadeiro que está lá, protegido. Se a manutenção das suas trancinhas a cada 6 ou 8 semanas pesar demais no bolso, considere fazê-las você mesma. Existem vários tutoriais no YouTube que ensinam como fazer e, com um pouco de prática e paciência, você poderá dominar o processo.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Mais sobre crescimento capilar: as "pontas desgarradas"


Aqui no blog já falamos diversas vezes sobre assuntos relacionados ao crescimento dos fios crespos e encarapinhados. Mas é importante lembrar que, quando falamos de “crescimento do cabelo”, não estamos necessariamente querendo dizer “cabelo compridão”. Afinal, o cabelo continua crescendo e se renovando, mesmo quando o cortamos regularmente para conservar o corte ou um tamanho que mais nos agrada.

O que eu vejo das meninas que estão começando a cultivar o cabelo é uma dúvida quanto à percepção visual deste crescimento. “Meu cabelo, está estagnado! Ele não sai do lugar!”, elas dizem. Mas, tratando-se de cabelos crespos, superenrolados, o que seria este “sair do lugar”?

Bom, o que eu pude aprender ao longo da minha jornada é que, primeiramente, nossos cabelos não “tombam” com facilidade nem “crescem para baixo” exatamente como um cabelo liso. Como o nosso blackinho, ao crescer, se expande em todas as direções e além de tudo encolhe, essa percepção de crescimento pode ficar distorcida – mas ainda assim nosso cabelo está crescendo!

Outra forma de perceber o crescimento do cabelo é reparar na sua densidade ou, como eu gosto de falar, na sua “consistência”. Nosso cabelo cresce enchendo, primeiro, para depois “tombar”, se for o caso. Acho mais fácil reparar no desenvolvimento dos nossos cabelos através da sensação de “quantidade” de fios que conseguimos pegar e sentir em um rabo de cavalo ou em múltiplas mechas. Como assim? Eu explico.

A gente sabe que o cabelo tem um ritmo e um ciclo de crescimento médio, mas nem sempre todos os fios estão obedecendo a este ritmo de forma exata – por isso, depois de um tempo, percebemos que nosso cabelo vai perdendo o corte ou ficando com algumas pontas mais compridas do que outras. 

Essas pontas mais compridas acabam deixando o cabelo mais “ralo” nas extremidades, dando aquela impressão de menos cabelo nas pontas, ou aquele efeito de afinamento quando fazemos tranças ou twists. Como esses fios ficam desgarrados do “grosso” do cabelo, eles ficam mais sujeitos a danos, nós de fada, pontas duplas (a máxima do “unidos venceremos” também vale para os nossos fios!) e por isso é bom que sejam cortados mesmo. Eu, pelo menos, costumo usar essas pontas mais ralas como “guia” na hora de me livrar das pontinhas velhas ao aparar o cabelo.

Meu cabelo em banding em 2011 e depois em 2013.
Repare só como na foto de 2013 o cabelo está mais cheio e,
apesar das aparências, ele também está mais comprido!

Repare que quando cortamos essas pontas e deixamos todos os fios do mesmo tamanho, nosso cabelo parece mais “consistente”, mais denso. Embora tenhamos perdido alguns centímetros, o resultado final depois de uma aparada acaba sendo mais satisfatório, não é mesmo?

Como o cabelo não para de crescer, depois de um tempo o “grosso” do cabelo vai atingir aquele comprimento que as pontinhas mais compridas desgarradas atingiram. E provavelmente, quando isso acontecer, vão existir outras pontas desgarradas mais compridas, que eventualmente terão que ser cortadas... E assim sucessivamente.

Na foto de 2012, as pontas estão visivelmente mais ralas.
Na foto de 2013, as pontas estão mais "cheias" e o
cabelo mais comprido mesmo após aparar os fios "desgarrados"

Por isso é importante cuidar muito bem das pontas, para que, após a retirada das pontas desgarradas, esse “grosso” do cabelo não se danifique, arrebente, quebre, tornando-se ralo novamente por causas não naturais. Quando a gente conserva, hidrata e protege as pontas, evita que elas se deteriorem mais do que o inevitável.


Concluindo: para saber o quanto seu cabelo tem crescido, repare na densidade dele, a partir do meio do comprimento até as pontas. Se possível, tire fotos do seu cabelo com o mesmo tipo de finalização de 4 em 4 meses ou de 6 em 6 meses (um intervalo de tempo razoável para perceber diferenças de tamanho em cabelos muito enrolados e para aparar as pontas). Se você acha que no fim das contas o comprimento é o mesmo, repare nas pontas, se elas estão mais densas e formam mechas de espessura mais uniforme, desde a raiz. Se isso acontecer, parabéns! Você tem sido eficiente em manter o comprimento dos fios! Só tenha em mente que o cuidado deve ser constante e para sempre: nunca descuide das suas pontas, de forma que você consiga levar o “grosso” do cabelo ao tamanho que você deseja, caso você deseje fios mais longos.


* * * Quer saber mais sobre o assunto? Confira a "Lead Hair" Theory, levantada pela Chicoro, neste link (em inglês).