quarta-feira, 20 de junho de 2012

Políticas Capilares: Transição


Há alguns dias este vídeo está rolando na internet e fazendo sucesso. Ele foi produzido e narrado pela cineasta Zina Saro-Wiwa para o New York Times e fala sobre o crescente movimento em direção ao cabelo natural feito pelas mulheres negras americanas. A própria cineasta decidiu passar por uma transição, cortando as longas tranças com apliques que já usava há bastante tempo e revelando seu padrão natural de cachos.

E as impressões dela são muito parecidas com a da maioria das meninas que decidem largar os produtos alisantes e assumir seu cabelo natural. O início é complicado, cheio de insegurança quanto à nova imagem, mas também supreendente quando percebemos que o cabelo natural não é o bicho-papão que outrora imaginamos. E, no fim das contas, ela, assim como a grande maioria de nós naturais, descobriu que um simples corte de cabelo mudou sua vida de incontáveis formas.

Mas o que me mais me chamou atenção neste minidocumentário foi o fato de, aparentemente, o movimento atual pró-cabelo natural não ter conotação política, como tiveram os "afros" nos anos 60. Assim como a autora do vídeo, eu discordo desta posição. Embora, como ela ressalta, nossas decisões tenham se dado individualmente e tenham como foco principal muitas vezes a saúde (não só dos fios, mas também do nosso corpo como um todo), nosso movimento acabou tendo, com ou sem querer, um viés político, a partir do momento que nos fez refletir sobre nossa identidade, sobre quem somos e quem decidimos ser dali para frente.

Ainda assim, vejo muitas pessoas se esquivando deste "rótulo". Cada um usa o cabelo do jeito que gosta, que acha mais bonito, mais adequado... São muitas as "desculpas" que a gente dá para usar nosso cabelo natural, normalmente evitando adotar alguma postura ideológica, que remeta à identificação com determinado grupo étnico ou cultural. É evidente também que dificilmente alguém assumirá uma posição meramente pela política, se essa for desagradável em outros aspectos da vida. 

Mas, se a escolha nos faz bem em tantos campos, porque não pensar no bem que ela faz ao mostrar que nossas idéias que vão além da beleza estética? Por que ter medo de dizer que temos orgulho do nosso cabelo porque ele sinaliza que somos mulheres negras, mestiças, afrodescendentes dispostas a ir contra a maré do alisamento que diz que devemos ser adaptadas para sermos aceitas em uma sociedade racista?

Não acho que devemos ter medo de assumir uma posição ideológica, nem quando ela se refere a algo tão "fútil" quanto o jeito que usamos nossos cabelos. Se a política em que acreditamos deve ser vivida, e se viver a política é colocá-la em prática no dia a dia, não há forma mais evidente do que a expressão desta política no nosso corpo. Mais do que  palavras, basta a nossa presença para mostrar quem somos e do que somos capazes.

7 comentários:

  1. Acho que nosso corpo fala. Apesar dela falar que as meninas que assumem o cabelo natural em sua maioria não querem associar esse ato ao movimento black power, mas o fato de assumir o crespo já é uma posição política, mesmo que inconsciente.

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  2. Muito interessante Nica. Alguém já disse que viver é um ato político. Querer um cabelo saudável e sem violentar o design que Deus nos deu, se torna um ato político nas circunstâncias que nos cercam: mídia bombardeando mentes e corações com a mensagem de que só o liso é bonito, que todo mundo tem que alisar (ou seria se "domesticar" ?). bjus

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  3. Olá Nica, achei bárbaro e muito bem produzido este vídeo. Penso que a decisão de nadar contra corrente dos cabelos alisados é uma atitude de auto-estima primeiramente e é política também. Acho este movimento da nossa volta ao natural sem alardes, num boca a boca através de vídeos e blogs na internet super estratégico. Acaba sendo um movimento solidário e inteligente, é emocionante, as meninas partilham mesmo, ninguém fica escondendo o jogo. Tanto tempo reféns... tenho uma prima que sempre me incentivou a usar meu cabelo natural, eu sempre resistia. Ela que tem cabelos lisos, falava você tem que ter personalidade, buscar seu caminho pois nunca vai ter um cabelo liso, vai ficar sempre alisado, desnatural, não é o seu, deixa as que tem cabelos lisos terem os seus como quiserem, mas deixa o seu vir e usa com firmeza. Ela me dava este toque na época do black power, não nos vemos mais, contudo, sempre que havia os desastres químicos, me lembrava dela. Não troco meu cabelo em transição por nenhum que já tive. Amo meus cabelos agora, gosto da textura e volume. Meu cabelo agora está sempre sedoso, cheiroso, não cai um fio. Está crescendo, coisa que não acontecia. Nem pensar em colocar aqueles apliques de cabelo de outra pessoa... gente uma loucura completa... Obrigada por postar e vamos repercutir este vídeo que é muito bom!Vamos fazendo nossa revolução, mas já viram como estão chegando produtos para nossos cabelos que antes não tinham? Nós é que temos de dizer o que queremos e eles é que vão colocar suas pesquisas e indústrias a nosso favor.

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  4. Muito bom o vídeo. Deixar o cabelo natural pode não ser um ato político coletivo como o Black Power, mas individualmente estamos nos afirmando por nos aceitarmos e por não nos submetermos mais a certos padrões que podem fazer muito mal física e psicologicamente.

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  5. Meninas, obrigada pelos comentários :)

    Sempre volto a este assunto porque o cabelo, apesar de parecer algo só estético, gera tantas mudanças na gente que o assunto nunca esgota, não é? Gosto de refeltir e trocar idéias com vocês!

    Bjos a todas

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  6. Como sempre, texto que nos faz refletir e muitas vezes a mim faz querer continuar com o meu crespo.

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  7. Nica, adorei o seu post, mas eu acho que as americanas estão certíssimas.

    Nossa escolha por cabelos naturais está associada a quebra de um padrão preconceituoso de beleza imposto pela mídia e sociedade mundial, tanto quanto os gordos que se assumem e são felizes gordos. Não é uma revolução étnica, é muito maior do que isso.

    Nós estamos dentro de uma revolução cultural de âmbito coletivo e mundial.

    Eu não diria que nossa sociedade é "racista", eu diria que na nossa sociedade as pessoas não se vêem como iguais. E isso não quer dizer que somos puramente racistas, isso quer dizer que somos preconceituosos, o que é muito pior.

    O racismo é só uma vertente da idéia de superioridade de uns em relação a outros que existe na maioria das sociedades do mundo.

    Essa idéia de superioridade gera o preconceito. E o preconceito reune aversão(ou ódio) a diversos grupos, como aversão a negros (racismo), aversão a gordos, aversão a pobres, aversão a latinos, aversão a feios, aversão a estrangeiros (xenofobia), aversão a algumas religiões, etc...

    Acho que o racismo é uma via de mão única. Quando defendemos um ideal anti-racista, precisamos ter o dobro de cuidado para não acabar nos tornando racistas tbm, como eu já vi acontecer várias vezes

    O que estamos fazendo com essa simples atitude de ACEITAR nosso cabelo é dizer não a toda forma de preconceito. É passar por uma transição que realmente muda nossa vida e nossa forma de pensar. É quebrar em nós essa idéia de que somos inferiores por não ter o cabelo x, ou o corpo y, por não ter tanta beleza como a top model z, por não ter tanto dinheiro quanto o megaempresário w, por ter nascido em um país com problemas socioeconômicos graves que são vistos como piada no exterior, etc...

    Se conseguirmos mudar essa idéia em nós, se conseguirmos nos ver como iguais, nem superiores nem inferiores, não importa a qual etnia pertencemos ou qual a etnia do outro, vamos conseguir não só acabar com o racismo, mas com toda forma de preconceito.

    Nós estamos obrigando a sociedade a nos aceitar, porque nós nos aceitamos!

    E isso é um ato político sim, mas é muito maior e com certeza vai deixar marcas muito profundas e positivas em todas as sociedades do mundo.

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