quarta-feira, 16 de maio de 2012

O que queremos ensinar às nossas crianças?


As mulheres de cabelos crespos e encarapinhados nem sempre guardam boas lembranças da infância quando o assunto é cabelo. Normalmente, eram horas e horas não de cuidados, mas de luta contra os cabelos! Lavar, pentear e arrumar os fios podem ser lembrados como verdadeiras torturas.

Nossa infância pode ter mesmo memórias, não só física, mas também psicologicamente dolorosas. As idas ao salão ou as aplicações caseiras de produtos alisantes ou relaxantes deixavam feridas no couro cabeludo e, por que não, na alma. Assim como as piadas dos coleguinhas ou os comentários depreciativos dos adultos que tínhamos como referência ficam guardados para sempre.

Todas nós já ouvimos falar de como o que vivenciamos nos primeiros anos de vida servem de influência para quem somos ou seremos na idade adulta. Uma pesquisa americana recente, por exemplo, mostrou que altas taxas de obesidade em adolescentes negras podem estar ligadas a abusos verbais e sexuais, determinação de metas irreais para si mesma, depressão e ambiente familiar negativo. É claro que a pesquisa não trata especificamente de cabelos mas, de qualquer forma, mostra como acontecimentos para os quais podemos não dar a devida importância afetam nossa vida futura de forma bem séria.

É por isso que, antes de falarmos algo para nossas meninas do presente, devemos pensar duas vezes e lembrar daquilo que escutamos quando nós éramos as crianças da vez. Mesmo que o interlocutor tenha tido a melhor das intenções, nem sempre escutamos as palavras positivas que precisávamos ouvir. E talvez essas palavras tortas tenham contribuído para que construíssemos uma imagem negativa de nós mesmas que perdura até a idade adulta.

Nós, adultos, devemos ter sempre em mente que somos referência para nossas pequenas. Nós as ensinamos sobre o mundo e sobre si mesmas. Antes de taxarmos o cabelo de nossas crianças como ruins, duros, ou sem solução, vamos refletir: o que queremos ensinar a elas? Que são imperfeitas, logo devem ser "consertadas" para serem aceitas, ou que que são belas e únicas e que devem se amar do jeito que são porque nós as aceitamos incondicionalmente?

Modificar a estrutura do cabelo de uma criança é uma decisão seríssima que deve ser muito ponderada antes de ser levada a cabo. Antes de pensar que fazemos isso para deixar nossa filha mais satisfeita ou mais bonita, devemos lembrar que nós é que a ensinamos o que é ser bonita e o que é estar satisfeita com a própria imagem. Todo o cuidado é pouco e há sempre o outro lado da moeda: podemos estar sinalizando sim que ela pode não ser naturalmente tão bonita, a ponto de só ser aceita e amada se for ajustada, adequada. E a atitude que enxergamos como positiva pode ser, inconscientemente, lida como negativa por ela e se desenvolver de forma prejudicial no futuro.

Como eu costumo dizer, cabelos nunca são "apenas cabelos". Eles estão dentro de algo maior, que vai muito além da simples estética. Ensinar a sua filha a se amar e a amar seu próprio cabelo é construir com ela um laço de cumplicidade e também ensiná-la a estabelecer relações positivas consigo mesma e com os que a cercam.

11 comentários:

  1. Muito importante seu post Nica, e me faz lembrar de um livro que estou querendo ler chamado "O Olho Mais Azul", da Toni Morrisson, que fala justamente da falta de aceitação de uma criança negra.
    http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?sid=87381758014516778192862681&nitem=3107276

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    1. Nossa, Amanda, esse livro parece ser ótimo! Já entrou pra minha lista de desejos!!!!

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  2. nossa me fez refletir muito...xeru da Rose

    http://blogtopodendo.blogspot.com.br/

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  3. Esse post foi lá nas minhas entranhas... Realmente, as melhores intenções nem sempre são os melhores caminhos. Lembro de minha mãe alisando o cabelo dela mesma e ficando com o couro cabeludo ferido porque ela deixava os cremes "menos danosos" para mim...
    Hoje deveria estar mais fácil a aceitação, pois já há produtos específico para nós, mas ainda incomoda chegar em algumas lojas de cosméticos e o povo oferecer logo produtos para progressiva: "Meu bem, você ouviu que eu vou deixar meu cabelo natural?".

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    1. Pois é, todas nós temos histórias pra contar, não é mesmo?...
      Mas acho que estamos construindo nossos finais felizes :)
      Bjos!

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  4. Amei o post amiga, perfeito!!!!!!
    Parabéns!!!

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  5. Olá Nica estou entrando no seu blogue agora e estou achando todas estas informações de grande valia. Estou deixando meu cabelo natural depois de muitos desastres e estou maravilhada com a quantidade de informações que tenho encontrado e ficavam fechadas a sete chaves por cabeleireiros ou por estes que não davam a mínima para nossas necessidades. Tenho 50 anos e confesso que já tinha desistido do sonho de ter meus cachos, mas seu blogue e vídeos de muitas mulheres negras maravilhosas me reacenderam a vontade de cuidar mais de meus cabelos. Dou aula numa creche aqui no Rio e qual não tem sido minha surpresa de ver meus alunos acariciando meus cabelos, uns dizendo que é bonito... quando alisava ninguém falava nada... meus aluninhos amam passar a mão nos meus cachinhos. Bjs!

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    1. Rachell, nunca é tarde pra gente recomeçar e resgatar nossos cabelos, não é? Eu acho que o material que a gente acha na internet é um grande incentivo... É tão bom vincular o cabelo crespo a pessoas felizes, pq passamos tantos anos tristes por causa dos nossos!...

      Eu trabalho com crianças e elas também adoram meu cabelo, rs

      Bjos!

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  6. Esse post lembrou-me de quando tinha uns seis, sete anos e minha mãe alisou meu cabelo á primeira vez. Meu sonho era ter o cabelo liso como o de uma prima e quando minha mãe falou em alisamento vi-me com um longo cabelo, Preto, brilhoso e lisissimo. Após longas horas de estica e puxa, lavagem. Com o cabelo já seco a decepção. Meu cabelo não estava liso, estava esticado, seco, não dava pra deixar solto. Mesmo tão pequena agradeci a minha mãe demonstrando o quanto pude minha "alegria". Então fui para o quintal e debaixo de uma goiabeira chorei o que foi possível. Passei minha infância inteira de cabelo curto, várias vezes fui confundida com meninos e sofria calada com a ideia de que nunca poderia ter cabelos compridos, meu sonho na época. Sofri tudo o que uma crespa pode sofrer e hoje decidi parar com essa tortura e assumir o que eu naturalmente tenho, faço por mim e mais ainda por minha filha cujo cabelo começa a atrair pessoas querendo "consertar". Se minha mãe foi levada a crer que precisava arrumar o meu cabelo e por isso sofri anos com complexos elevados á última potência não permitirei que façam o mesmo a ela. Tenho cuidado dos nossos cabelos usando as dicas tiradas daqui e de outros blogs e vídeos no you tube e não canso de repetir que ela é linda e o seu cabelo também. Será um caminho tortuoso mas estou decidida a seguí-lo. Mas do que questão de estética, assumir o meu cabelo como ele é é um ato político.

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