As mulheres de cabelos crespos e encarapinhados nem sempre guardam boas lembranças da infância quando o assunto é cabelo. Normalmente, eram horas e horas não de cuidados, mas de luta contra os cabelos! Lavar, pentear e arrumar os fios podem ser lembrados como verdadeiras torturas.
Nossa infância pode ter mesmo memórias, não só física, mas também psicologicamente dolorosas. As idas ao salão ou as aplicações caseiras de produtos alisantes ou relaxantes deixavam feridas no couro cabeludo e, por que não, na alma. Assim como as piadas dos coleguinhas ou os comentários depreciativos dos adultos que tínhamos como referência ficam guardados para sempre.
Todas nós já ouvimos falar de como o que vivenciamos nos primeiros anos de vida servem de influência para quem somos ou seremos na idade adulta. Uma pesquisa americana recente, por exemplo, mostrou que altas taxas de obesidade em adolescentes negras podem estar ligadas a abusos verbais e sexuais, determinação de metas irreais para si mesma, depressão e ambiente familiar negativo. É claro que a pesquisa não trata especificamente de cabelos mas, de qualquer forma, mostra como acontecimentos para os quais podemos não dar a devida importância afetam nossa vida futura de forma bem séria.
É por isso que, antes de falarmos algo para nossas meninas do presente, devemos pensar duas vezes e lembrar daquilo que escutamos quando nós éramos as crianças da vez. Mesmo que o interlocutor tenha tido a melhor das intenções, nem sempre escutamos as palavras positivas que precisávamos ouvir. E talvez essas palavras tortas tenham contribuído para que construíssemos uma imagem negativa de nós mesmas que perdura até a idade adulta.
Nós, adultos, devemos ter sempre em mente que somos referência para nossas pequenas. Nós as ensinamos sobre o mundo e sobre si mesmas. Antes de taxarmos o cabelo de nossas crianças como ruins, duros, ou sem solução, vamos refletir: o que queremos ensinar a elas? Que são imperfeitas, logo devem ser "consertadas" para serem aceitas, ou que que são belas e únicas e que devem se amar do jeito que são porque nós as aceitamos incondicionalmente?
Modificar a estrutura do cabelo de uma criança é uma decisão seríssima que deve ser muito ponderada antes de ser levada a cabo. Antes de pensar que fazemos isso para deixar nossa filha mais satisfeita ou mais bonita, devemos lembrar que nós é que a ensinamos o que é ser bonita e o que é estar satisfeita com a própria imagem. Todo o cuidado é pouco e há sempre o outro lado da moeda: podemos estar sinalizando sim que ela pode não ser naturalmente tão bonita, a ponto de só ser aceita e amada se for ajustada, adequada. E a atitude que enxergamos como positiva pode ser, inconscientemente, lida como negativa por ela e se desenvolver de forma prejudicial no futuro.
Como eu costumo dizer, cabelos nunca são "apenas cabelos". Eles estão dentro de algo maior, que vai muito além da simples estética. Ensinar a sua filha a se amar e a amar seu próprio cabelo é construir com ela um laço de cumplicidade e também ensiná-la a estabelecer relações positivas consigo mesma e com os que a cercam.